OBJETOCOISA

Exercício de estilo de A a Z – correspondências com Helene Sacco *

 

“As coisas que existem são aquelas nas quais eu creio,

nós cremos, você e eu, quer sejam verdadeiras ou não”

 Kurt Schwitters

“Exercitamos a lentidão já que nos é obrigatório

viver o movimento.”

(de um email a mim enviado por Helene Sacco em 7/5/2014)

 

 

ATITUDE: autonomia para gestar o gesto com o vigor e o prazer do desenho à mão livre.

BIBLIOTECÁRIO: aquele que se dedica a encontrar o lugar daquilo que se move.

COISA: quando uma partícula mínima do mundo é capaz de unir-se à outra em silêncio.

DIÁRIO: operações do tempo em ritmo contínuo entreler, escrever, desenhar e projetar.

ESPERANÇA: encontrar uma máquina de costura e demorar olhando-a da espreguiçadeira.

FAROL: de onde se pode observar as coisas e garantir sua duração em feixes de luz.

GABINETE: local onde as coisas miúdas encontram as coisas mínimas, em mise en abyme.

HABITAT: lugar que oferece as condições para a coexistência dos objetocoisas em exposição.

IN(SER)VÍVEIS: qualidade das coisas coletadas pelo objetotecário passíveis de classificação.

JUNTOS: nadei pelas bibliotecas e naveguei pelos oceanos;submersos viveremos juntos.

KURT SCHWITTERS: habitante da Merzbau, é vizinho da (re)fábrica de Helene Sacco.

LISTA: jogo entre palavras e objetos em ordem e subordens criadas com verbetes subversivos.

MARCA: efeito do trajeto do carimbo ao plano branco, após passagem por feltro entintado.

NARRADOR: prolongador das coisas no tempo, garantindo suas sutis materialidades.

OBJETO: quando todos os acidentes acontecem, nasce um objeto em Lugar Inventado.

PESQUISA: máquina de tempo e sentido, nas palavras da própria construtora de pontes.

QUALIDADE: mantida sob controle, cria um campo infindável para o objetocoisa.

(RE)FÁBRICA: lembre, anote, desenhe, fotografe, pergunte, descreva, testemunhe, esqueça.

SINA: passar a refletir sobre um grampeador de papéis nas mãos de um bibliotecário.

TONTO: também chamado de bibliotecário, vive de encontrar aquilo que não perdeu.

UNIVERSO: infinito que cabe num livro e desdobra-se com singularidade em cada leitor.

VIAGEM: caminho do Lugar Nenhum ao Lugar Inventado, numa odisseia mínima e sem escala.

WORKAHOLIC: atributo do objetotecário, também viciado em exercitar a lentidão.

XENOMANIA: inclinação afetiva por tudo que é estrangeiro; amor ao universo inventado.

Y: variável determinante do tempo das coisas e da durabilidade do mundo na (re)fábrica .

ZONA: situa-se do outro lado do rio, onde concentram-se os estilhaços dos desenhobjetos.

Elida Tessler

*Todos os verbetes aqui apresentados têm origem na tessitura da tese de doutorado de Helene Sacco intitulada A (re)fábrica: um lugar inventado entre a objetualidade das coisas e a sutil materialidade do desenho e da palavra (2014, PPGAV-IA-UFRGS). As definições são construídas a partir do método de coleta de palavras em correspondências trocadas por email durante o período de orientação da pesquisa, seguindo as instruções do Sr. Tonto, personagem autorreferencial criado pela autora. Que este exercício seja o mais sincero convite para a imersão no potente trabalho de invenção de Helene.

As imagens na sequência são da exposição OBJETOCOISA no espaço de Artes Visuais da UFCSPA em Março de 2016, com a curadoria de Éder Silveira.

20160203_09574120160303_12583220160303_13000220160303_13002220160303_130034folder_interno-4


Sala mínima

Objeto-lugar instalado no interior de um expositor do local.

Sala mínima, 2013.

781eeacbb233d1a802ba74a2832c7f60

Sala mínina, 2013.

DSC_8278

Sala mínima, 2013.

DSC08358

Sala mínima, detalhe do interior. 2013.

Trabalho para exposição BR116: Circuítos independentes em trânsito no Casarão 6 da SECULT,2013.

Vídeo do projeto:


Fábrica de Objetos-lugares

Trabalhos desenvolvidos para exposição no site da REVISTA LUGARES, revista da Fundação Iberê Camargo em Março de 2013. Curadoria Fernanda Albuquerque.

 

 

Helene Sacco. Escrivaninha memória-consciência. De Paul Auster para Sr. Blank. Nanquim sobre papel canson A4.

Helene Sacco. Escrivaninha memória-consciência. De Paul Auster para Sr. Blank. Nanquim sobre papel canson A4.

Helene Sacco. Escrivaninha Continente. De Walter Benjamin para ele mesmo. Nanquim sobre papel canson A4.

Helene Sacco. Escrivaninha Continente. De Walter Benjamin para ele mesmo. Nanquim sobre papel canson A4.

 

Helene Sacco. Fábrica de Objetos-Lugares. Situada na Rua Uruguai 1248, subsolo, setor dos Inservíveis. Cep. 96010-630. Nanquim sobre papel canson A4.

Helene Sacco. Fábrica de Objetos-Lugares. Situada na Rua Uruguai 1248, subsolo, setor dos Inservíveis. Cep. 96010-630. Nanquim sobre papel canson A4.

Helene Sacco. Escrivaninha de casal com cadeira dobradiça. De Georges Perec para Sylvie e Jérôme. Nanquim sobre papel canson A4.

Helene Sacco. Escrivaninha de casal com cadeira dobradiça. De Georges Perec para Sylvie e Jérôme. Nanquim sobre papel canson A4.


Gabinete de DESENHOBJETO

aquecedor secult

Inventário em desenho do Casarão 2 SECULT, 2013.

banco de conchas secult

Inventário em desenho, banco do jardim do Casarão 2 da SECULT, 2013.

bandeja de café secult

Bandeja de café dos funcionários. Inventário em desenho dos objetos do Casarão 2 da SECULT, 2013.

banquinho do piano

Banquinho do piano. Inventário em desenho dos objetos do Casarão 2 da SECULT, 2013.

Retrato de Adail Bento Costa SECULT

Retrato do Adaíl Bento Costa. Inventário em desenho dos objetos do Casarão 2 da SECULT, 2013.

DSC08371

Imagem da montagem da instalação.

DSC08403

Detalhe da escrivaninha que acompanha a OBJETOTECA.

DSC08406

Detalhe da OBJETOTECA.

DSC08413

Detalhe dos desenhos que inventariaram o lugar durante o tempo de montagem e exposição, 2013.

DSC08432

Detalhe da OBJETOTECA e dos banquinhos que criavam um lugar para leitura do textos das 96 da gavetas.

DSC08433

Vista interna da instalação.

DSC08439

Vista externa do lugar criado com a instalação.

DSC08445

Detalhe com as vitrines de objetos inventariados da enciclopédia. e de outros objetos que fizeram parte desta montagem.

DSC08452

Detalhe de um dos biombos que agrupavam desenhos do inventário de objetos.

DSC08459

Detalhe das gavetas da OBJETOTECA, de onde o público poderia destacar o texto com um dos verbetes dos 96 objetos inventariados e classificados pela OBJETOTECA.

DSC08460

Detalhe das gavetas.

DSC08464

Detalhe com desenhos dos objetos de limpeza.

DSC08450

Vista da estante de carimbos. Cada um dos 20 desenhos inventariados no Casarão 2 foram transformados em carimbos, dando origem à Fábrica de DESENHOBJETO.

DSC08425

Detalhe dos carimbos que ficavam em cada um dos 16 nichos do escaninho juntamente com um bloco de folhas brancas. Acima do escaninho ficavam as almofadas de tinta.

DSC08413

Detalhe dos desenhos.

Exposição Individual, Inventário em DESENHOBJETO, Sala Adaíl Bento Costa, SECULT/Pelotas, 2013.


Odisseia mínima até Lugar Nenhum

AAX00253

Detalhe da vitrine que compunha a instalação. Nela imagens, mapas constelares, fotografias, miniaturas de objetos e bibelôs de pássaros de porcelana criam uma abertura para a história da viagem até Lugar Nenhum passando pelos cinco continentes, um caminho realizado pelo interior de ilustrações taxonômicas retiradas de uma antiga enciclopédia.

AAX00761

Vista geral da instalação.

AAX00789

Sequência de desenhos e texto que constroem a história da viagem até Lugar Nenhum.

AAX00783

Detalhe dos desenhos realizados nas paredes com carimbos de palavras, criando constelações, demarcações como um mapa de viagem. Entre as palavras também apareciam imagens de objetos seguido de textos. Todos eles se tratavam de objetos de desaceleração. Cadeiras, cabideiros, escrivaninhas, surgiam por entre palavras e pequenas frases.

AAX00781

Detalhe do desenho carimbado diretamente na parede seguido de texto.

AAX00786

Detalhe do carimbo.

AAX00784

Detalhe do grande carimbo que demarca e funda um Lugar Inventado, ao fundo a maleta com carimbos e instrumentos de observação de território.

AAX00785

Marca do carimbo na parede.

Lugar Nenhum

Prancha com o desenho e texto sobre o sexto continente do Lugar Nenhum.

Instalação com objetos, desenhos, vitrine, carimbos e texto. 2013 Fotos da Exposição BR116: Circuítos independentes em trânsito – Oganização Atelier Subterrânea e Casa Paralela, 2013.


LUGARES-LIVRO

DSC04335   

DSC04321DSC04332DSC04331

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Projeto de Pesquisa CA/UFPEL [Lugares-livro]: dimensões materiais e poéticas

Convidamos à pratica desse lugar e à descoberta de suas espacialidades. Artistas habitam o espaço do livro e igualmente fazem habitar. Mas se um livro é um espaço no qual o leitor, de modo geral, habita, de que forma essa experiência de imersão cria uma espacialidade? Que espacialidade é essa que o artista propõe naquilo que inventa e chama de livro? O que podemos dizer é que o que se exige, sem dúvida, é algo além do observar, uma experiência que é também tátil e polissêmica, interativa, propositiva, criadoras de outros tempos. Pois ela nos toma de assalto, nos desloca e realoca num espaço outro que é o da inserção. Inserção na narrativa, na textura do papel, no deslizar páginas, no criar novas formas de páginas, ou, quem sabe, no criar não-páginas. E nós, enquanto habitantes – artista ou público –, desdobramos as formas de abordagem, multiplicamos modos de acessar o imaginário, descolamos das referências iniciais e tornamos mais complexas as tramas tecidas neste espaço. Essa pesquisa procura propor aos participantes uma reflexão profunda no próprio processo identificando possibilidades de criação/edição em Livro de Artista.


Gabinete Poético Urbano

A proposição da Casa Movente me fez perceber as situações criadas por um trabalho de arte como um modo de fundação de um território possível. As formas de ativação do espaço urbano, com a inserção dos objetos que crio, procuram tencionar e viabilizar formas de percepção do lugar num espaço mais crítico, que instiga pensamentos. A criação de uma rede de conversa e partilha entre as pessoas, na maioria estranhas umas às outras, gera uma forma de comportamento que se revela pela implicação com a situação real do lugar. As conversas iniciam com algum comentário sobre o objeto-lugar, mas sempre desencadeiam pensamentos sobre a rua, vizinhança, formas de habitar, entendendo o habitar sob uma forma super aproximada com o viver e o quanto depende de nós a construção dessa possibilidade, as memórias pessoais e também histórias e lendas urbanas. Assim foi com a proposição do Gabinete para a vitrine da Casa M. Sabia da história da casa, pesquisei sobre a moradora Christina Balbão, então compreendia aquele espaço como um lugar onde viveu alguém com uma ligação muito forte com o desenho, a criação. Quando fui convidada para participar, já estava pesquisando sobre gabinetes, então ao ver o espaço da vitrine, veio o desafio de obedecer às medidas e construir um objeto-lugar que dialogasse com as memórias da casa e ao mesmo tempo abrisse a possibilidade de participação. O gabinete, mesmo se expressando como interioridade, se manifesta pela reversibilidade, pela possibilidade de ser um dentro exposto fora. Isso afeta e perturba, ainda mais pela cena que produzia, de uma pessoa entregue a seus pensamentos, desenhando, lendo e escrevendo. Dentro do gabinete, havia outra espécie de tempo. Isso ficava nítido quando as pessoas passavam apressadas pela vitrine e ao verem a cena paravam, se aproximavam, procuravam ler os títulos dos livros e, pouco a pouco, pelo somatório de objetos ali propositadamente inseridos, a construção se fazia também em pensamento.

Ao construir, sempre faço uma lista. No caso da Casa Movente, era uma lista que fazia parte da minha memória, objetos que eu lembrava das minhas casas da infância. No projeto do Gabinete da Vitrine, estava pesquisando sobre o assunto e estava muito envolvida pela obra São Jerônimo em seu Gabinete, de Antonelo de Messina. Na verdade ainda estou. Mas muito do Gabinete veio de lá, como os pássaros, por exemplo. Pássaros sempre tiveram um significado nos meus trabalhos, como viajantes e construtores. Na obra do Messina, abrem com sua liberdade o espaço do fora, o espaço do pensamento em pleno vôo. Mas embora tudo partisse de uma lista e projetos, houveram uma série de coincidências, como a sorte de ir buscar os objetos no antiquário para a construção do Gabinete e me deparar com uma série de pássaros de várias espécies, incluindo as da obra do Messina. Quanto à lista, tinham coisas que precisariam ter para que o trabalho funcionasse como eu queria, como no caso do chapéu. Este objeto, foi a origem de várias visitas de passantes que o viram pela janela e paravam para me contar que aquela casa já havia sido uma fábrica de chapéus. Levei livros sobre arte e cidade, sobre construção, memória, desenho, espaço e lugar, livros para ler sobre o que eu fazia durante o próprio fazer. As listas para construção também têm uma afinidade muito grande com a ideia de inventário, conceito que utilizo na minha pesquisa, assim como o de objeto-lugar. As listas são uma espécie de inventário-ideário, pois já existem enquanto potência de invenção. Já são construções, mesmo que ainda em forma textual. Procurei fazer com que o Gabinete também dialogasse com as fachadas das casas da Rua Fernando Machado, com seus relevos delicados, e ao mesmo tempo também ativasse a memória não só dos antigos gabinetes, mas do que nos parece familiar, privado, doméstico, cotidiano. Algo acolhedor, mas ao mesmo tempo exposto para a rua. Pois era exatamente essa a sensação que a obra do Messina me provocava: algo intimista ocorre naquela obra, mas o vemos de fora, como alguém que espia ou passa ligeiramente por um dos corredores da imensa catedral. Para falar a verdade, sinto que todo aquele espaço é construção mental, pensamento de São Jerônimo enquanto traduz os textos. Dentro do Gabinete havia um objeto especial, um desencadeador de ações, a mala-escrivaninha. Gosto de subverter o uso dos objetos, ou desdobrá-los, fazer seus significados pulsarem enquanto forma e ação, mas numa leitura diversa. Essa mala-escrivaninha traz duas formas de viagem: a extensiva, apresentada pela mala, e a intensiva, pela escrivaninha.  Propõe um viajar ao ler, escrever, desenhar, um viajar pelo pensamento.

Fiz três saídas que renderam muito. Tinha a intenção de tentar fazer dessa ação uma performance que despertasse o verdadeiro sentido de gabinete: trabalho do pensamento. A saída, o fora, o percurso criava uma relação com a rua, com as pessoas, com a cidade, mas poderia ser pensada enquanto ficção. Fiz questão do deslocamento para criar a possibilidade de contato, conversa e, principalmente, foi uma forma de inventariar a rua.

Iniciei esta proposição com a pergunta: O que forma uma rua? Nos inventários que faço, me interessa o que forma um lugar. Os objetos que coleto em desenho são peças de uma grande construção infinita, cotidiana e principalmente humana, carregam um sentido utópico de implicação com o real, com o outro e o entorno. O Gabinete poético urbano me ajudou a comprovar na prática a complexidade dessa trama. Terminei o tempo do trabalho querendo e precisando de muito mais tempo por lá, mas percebi que nunca damos conta de algo assim. O que de fato nos liga aos lugares? A vida. O que forma uma rua? Amigos, vizinhos, hospitalidade, economia voltada ao viver ordinário e banal, configurada pela quitanda, padaria, costureira, eletricista, marceneiro… Fiz amigos, conheci histórias, habitei um espaço reduzido, experiência que ficou enraizada, impregnada não só na minha memória, mas espero na memória da casa e da rua, do lugar.

O texto acima faz parte da entrevista cedida à Fernanda Albuquerque durante a 8a Bienal do Mercosul, 2011.

Continue lendo

OBJETOTECA

 

Objetoteca. Junho de 2012.  MAC.  Arte sul contemporânea.

[OBJETOTECA: conjunto de Gabinete para inventário de objetos|

“O que não está ordenado de um modo definitivamente provisório

o está de um modo provisoriamente definitivo.”

Georges Perec

 

 

 

Essas experiências de inventariar objetos e lugares me levaram a criação de um novo trabalho: a Objetoteca com Conjunto de Gabinete para Inventário de Objetos. Título longo, mas que faz alusão ao que normalmente vemos nos anúncios de lojas de objetos, por exemplo: Conjunto de copa-cozinha, jogo de quarto, kit escritório, pois referem-se a criação com esses objetos de um ambiente por inteiro.

Durante as Ações Inventariantes tornou-se cada vez mais claro a abordagem taxonômica de tentar organizar os objetos por tipos, por locais de existência, pois estes são peças construtoras de tais lugares. Me fascina também a ideia de situações não usuais, algo que encontro com frenquencia nos briques e antiquários, quando objetos de fins e utilidades completamente diversas ocupam o mesmo lugar no espaço, se empilhando, encaixando um no outro quase criando um terceiro.

No caso da Objetoteca, mais uma vez parti de um objeto de viagem, um baú de viagem náutica, aproximadamente dos anos 30. Tinha uma especificidade que tornou possível a realização da estante de 96 gavetinhas da para as classificações: as três gavetas com alças que ficavam empilhadas umas sobre as outras dentro do baú.

 

Inserimos em cada secção o conjunto de 32 gavetinhas que acomodariam a pesquisa sobre uma espécie de objeto. Depois de recriado, além das três secções de conjuntos de gavetas, ele ainda acolhe o tampo da escrivaninha, uma luminária, 3 vitrines, e 1 banquinho, 7 carimbos, lupas, fichas classificatórias, um dicionário alemão-português e 1 quadro com sugestões dizendo:

I

Sugestões Perceptivas para espaço, tempo e matéria.

1. A pressa é incompatível com a leitura das coisas do mundo. Percepção requer envolvimento! (Muntadas)

2. Desconfie dos objetos quão maior for o tempo de convivência com humanos.

3. Lembre, anote, desenhe, fotografe, pergunte, descreva, duvide, testemunhe, esqueça.

 

            Nesse trabalho eu tinha a preocupação de estar inserindo num espaço aberto e público o ambiente intimista e silencioso de um gabinete. Tinha plena consciência de que não temos nenhum controle da participação do público no trabalho, mas precisava criar uma condição perceptiva da atmosfera que o trabalho propunha. O texto foi uma forma de desacelerar, propor um tempo outro para o trabalho.

Outra questão interessante é a forma relacional que ele abre ao dar ao público a possibilidade de participação no inventário. O público além de ler a lista e os verbetes, também pode descrever um objeto taxonomicamente nas fichas de classificação que são disponibilizadas. Aqui entra novamente a questão da impossibilidade de controle, passa a fazer parte do conteúdo das gavetas participações de toda ordem. Questão que ainda não sei de que forma seguirá ocorrendo: A impossibilidade de controle e o crescimento das dobras, e classificações fizeram com que eu já salientasse no cartaz a possibilidade do número inventariado: As Classes se alteram, esse número varia, na mesma medida em que crescem para dentro.

 

 

 

 

 

 

OBJETOTECA: Gabinete de Inventário de objetos

 

 

 

 

 

1.Objetos de cozinha
2.Objetos de banquete
3.Objetos de toalete
4.Objetos de segurança
5.Objetos sonoros
6.Objetos musicais
7.Objetos que guardam
8.Objetos de acolher
9.Objetos que repelem
10.Objetos de vestir
11.Objetos elétricos
12.Objetos de gabinete
13.Objetos de viagem
14.Objetos étnicos
15.Objetos de controle do tempo
16.Objetos de proteção
17.Objetos náuticos
18.Objetos aéreos
19.Objetos endoscópicos
20.Objetos não identificados
21.Objetos que estragam
22.Objetos que assustam
23.Objetos que me lembro
24.Objetos que não encontro
25.Objetos de pompa
26.Objetos que faltam
27.Objetos de tortura
28.Objetos que eu inventaria
29.Objetos raros
30.Objetos que acompanham
31.Objetos moventes
32.Objetos que entristecem
33.Objetos que deformam
34.Objetos que não deram certo
35.Objetos que se transformam
36.Objetos de ilusão
37.Objetos óticos
38.Objetos transacionais
39.Objetos falsos
40.Objetos que cheiram bem
41.Objetos de sinalização
42.Objetos eróticos
43.Objetos de representação
44.Objetos de suvenir
45.Objetos científicos
46.Objetos de especialidades
47.Objetos lúdicos
48.Objetos para piquenique
49.Objetos desaparecidos
50.Objetos que ferem
51.Objetos que não existem
52.Objetos da literatura
53.Objetos perdidos
54.Objetos que assombram
55.Objetos que projetam imagens
56.Objetos que acabam
57.Objetos tecnológicos
58.Objetos que apóiam
59.Objetos que armazenam
60.Objetos de arte
61.Objetos de demarcação de território
62.Objetos de culto
63.Objetos de acampamento
64.Objetos urbanos
65.Objetos que capturam
66.Objetos de desmanche
67.Objetos fúnebres
68.Objetos pré-fabricados
69.Objetos de acordar
70.Objetos sazonais
71.Objetos de costura
72.Objetos de colagem
73.Objetos de construção
74.Objetos de escrever
75.Objetos portáteis
76.Objetos da filosofia
77.Objetos de previsão
78.Objetos cartográficos
79.Objetos de coleção
80.Objetos classificatórios
81.Objetos de desejo
82.Objetos bélicos
83.Objetos de afeto
84.Objetos de festa
85.Objetos de sonho
86.Objetos melancólicos
87.Objetos lugares
88.Objetos de deriva
89.Objetos de inserção
90.Objetos inventariados por artistas
91.Objetos para experiências
92.Objetos secretos
93.Objetos inúteis
94.Objetos luminosos
95.Objetos de época
96.Objetos inclassificáveis

Obs. As Classes se alteram, esse número varia,
na mesma medida em que crescem para dentro.
Helene Sacco

Ao ler a lista é possível ver a tentativa de estabelecer uma relação de um item com outro, por diferença, proximidade, vizinhança ou total distância. A diferença, por exemplo, entre os objetos sonoros e os objetos musicais. A que existe entre os objetos que acabam e os que estragam. Muitos deles poderiam trocar de gavetas, ou estar em várias delas ao mesmo tempo. É esse impossível de classificar, mas que mesmo assim o tenta que me interessa, pois se trata do mesmo gesto realizado dia a dia na tentativa de dar ordem às coisas da vida. O número de 96 classes de objetos foi dado pelo objeto baú que acolhe e organiza o trabalho. Foi o que coube no baú ao dividir em parte iguais para a construção das gavetinhas.

 

VERBETES

 

12. Objetos de gabinete – Possuem o dom da espera alegrando-se quando o rito de trabalho inicia, acelera, se arrasta e finaliza. Organizam-se com certa cumplicidade, e parcimônia, facilitando os acessos, as sequências, os vagares,… Em dias de muito trabalho regozijam-se pela eficiência e contribuição doada em cada trabalho finalizado. Adoram dias de chuva, e tem um respeito quase matriarcal pela escrivaninha.  Não gostam de pó, ele manifesta o “ar de abandono”, que é ofensa no mundo dos objetos, um estigma que todos procuram escapar.

 

 15. Objetos de controle do tempo – Inutilmente nos ajudam a medir, contar, quantificar, apresentar claramente as horas numéricas até as noções mais abstratas como grãos de areia ou quase imateriais como a luz. Confirmam a nossa mais secreta mentira: a de que o ano possui 365 dias, e que estes mesmo dias possuem 24horas. Tiram proveito da rotação da terra, das disfunções eletromagnéticas, de nossas rotinas sempre carregadas e apressadas a ponto de não sermos mais capazes de distinguir o tempo da vida do tempo dos mecanismos artificiais.

 

 30. Objetos que acompanham – São aqueles que dizemos não saber ficar sem, quando na verdade a recíproca também é verdadeira. Trata-se de objetos humano-dependentes, que precisam estar junto, muitos até sofrem de síndrome do pânico sugestionando o dono quando ocorre por ventura algum esquecimento. São as bolsas, maletas, óculos, medalhinhas, notebooks , celulares, agendas, livros, casacos, canetas da sorte, …

 

32. Objetos que entristecem – Esses são de dar pena e ocorre por muitos motivos: uns pelo tempo, quando desbotam ou perdem a cor; outros que por tanto uso alteram até sua estrutura, deformando o que já foi sinônimo de beleza, como no caso de sofás desgastados, poltronas de braços puídos; outros ainda por abandono,  como é o caso dos brinquedos.  Certa vez vi em Buenos Aires uma banca de brinquedos velhos, após o êxtase de ver os inventos antigos, percebi a atmosfera de tristeza composta por bonecas chorosas, e ursos de olhos opacos sem brilho.

 

96. Objetos inclassificáveis – São mágicos, nos roubam as palavras, nos tomam o pensamento por minutos, somos deles naquele momento. São raros, não se enquadram em Classe alguma, indo parar nas listas dos objetos de arte e por vezes são de lá mesmo, mas transitam entre o impronunciável, inclassificável e uma leitura provisória, nunca totalizante.


One Week

 

Num filme de Buster Keaton[1], uma comédia americana chamada One Week, de 1920, um clássico do cinema mudo, um jovem casal ganha de presente de casamento, terreno e uma casa-portátil pré-fabricada. Junto ao presente, vinha o manual de instruções de montagem e neste a promessa da construção da casa em uma semana. Os dois entusiasmados com a praticidade do invento passam imediatamente a se dedicar na aventura construtiva, porém, pela interferência de um ciumento ex-pretendente, o projeto ordenado com rigor fordista é posto em cheque. Nasce uma casa singular que foge da seriação, contudo, impede qualquer funcionalidade, habitação e convívio tranqüilos. Durante uma tempestade, a casa, sem fundações ou raízes, se move sem parar jogando os amigos e os proprietários do seu interior.  Descobrem por fim, que ela além de possuir problemas de montagem, também haviam a construído no local errado e que mesmo sendo portátil, transportá-la parecia tarefa impossível, pois ia muito além de suas forças. Os dois partem deixando o desafio da construção para futuros corajosos.

Onde construir? Como construir? Embora se trate de uma comédia, ainda assim, a desventurada experiência dos personagens, nos faz lembrar e de forma caricatural, do que move o sonho construtivo de possuir um lugar, e se tornar deste. O quanto uma construção, ou melhor, a arquitetura e o urbanismo abarcam o sonho de uma geração, as políticas em voga no momento, o quanto a sensibilidade de uma época é capaz de tomar forma e se espacializar, regida pelas crenças e ideais de um capital motor e, talvez, esse seja o seu maior risco. O início do séc. XX ainda carregava a crença no sucesso do capitalismo aliados a tecnologia e industrialização. A famosa Carta de Atenas de 1933, um projeto mundial redigida por Le Corbusier apontava como deveria ser a cidade moderna. Novas direções para pensar a Arquitetura e o Urbanismo conduziram o sonho dos jovens construtores Modernos, com base em preceitos de “desenvolvimento” e circulação nas cidades, que visavam: habitar, trabalhar e recrear-se.

A comédia One Week, carrega a essência de uma época que acreditava na seriação e na reprodução modular mundial de uma habitação baseada em famílias tipo. O que espanta, é que muitos anos depois tal prática ainda seja empregada.


[1] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=gVJsmF5wAVU&feature=related

Este texto é parte do artigo chamado Cidade Reinventada. Autoria: Helene Sacco


TERRITÓRIO TRANSITÓRIO: Pelotas/RS – 2011

 Procura-se terreno vazio ou pensamento vago, para fixar temporariamente um lugar constrído por momentos cotidianos, bricolagens de lembranças e utopias existenciais. Quando está em deslocamento tem área construída de 3,6m². Quando em repouso, as medidas se ampliam infinitamente, pois são variáveis da relação mais aproximada com o local, dependendo diretamente deste. De dois andares é sobra-do que reúne cô-modos básicos para habitação, como: sala, cozinha, quarto, banheiro. Sobre rodas a posição em relação ao sol é opcional, a cada estação é possível escolher a orientação solar que melhor se adapta a casa  e ao proprietário, que é quem determina o tempo de permanência e a partida para qualquer lugar. Pessoas interessadas em pensar o viver, o morar e a criação como construção de território, por favor entrar em contato.

Primeiro andar