Objetoteca. Junho de 2012. MAC. Arte sul contemporânea.
[OBJETOTECA: conjunto de Gabinete para inventário de objetos|
“O que não está ordenado de um modo definitivamente provisório
o está de um modo provisoriamente definitivo.”
Georges Perec
Essas experiências de inventariar objetos e lugares me levaram a criação de um novo trabalho: a Objetoteca com Conjunto de Gabinete para Inventário de Objetos. Título longo, mas que faz alusão ao que normalmente vemos nos anúncios de lojas de objetos, por exemplo: Conjunto de copa-cozinha, jogo de quarto, kit escritório, pois referem-se a criação com esses objetos de um ambiente por inteiro.
Durante as Ações Inventariantes tornou-se cada vez mais claro a abordagem taxonômica de tentar organizar os objetos por tipos, por locais de existência, pois estes são peças construtoras de tais lugares. Me fascina também a ideia de situações não usuais, algo que encontro com frenquencia nos briques e antiquários, quando objetos de fins e utilidades completamente diversas ocupam o mesmo lugar no espaço, se empilhando, encaixando um no outro quase criando um terceiro.
No caso da Objetoteca, mais uma vez parti de um objeto de viagem, um baú de viagem náutica, aproximadamente dos anos 30. Tinha uma especificidade que tornou possível a realização da estante de 96 gavetinhas da para as classificações: as três gavetas com alças que ficavam empilhadas umas sobre as outras dentro do baú.
Inserimos em cada secção o conjunto de 32 gavetinhas que acomodariam a pesquisa sobre uma espécie de objeto. Depois de recriado, além das três secções de conjuntos de gavetas, ele ainda acolhe o tampo da escrivaninha, uma luminária, 3 vitrines, e 1 banquinho, 7 carimbos, lupas, fichas classificatórias, um dicionário alemão-português e 1 quadro com sugestões dizendo:
I
Sugestões Perceptivas para espaço, tempo e matéria.
1. A pressa é incompatível com a leitura das coisas do mundo. Percepção requer envolvimento! (Muntadas)
2. Desconfie dos objetos quão maior for o tempo de convivência com humanos.
3. Lembre, anote, desenhe, fotografe, pergunte, descreva, duvide, testemunhe, esqueça.
Nesse trabalho eu tinha a preocupação de estar inserindo num espaço aberto e público o ambiente intimista e silencioso de um gabinete. Tinha plena consciência de que não temos nenhum controle da participação do público no trabalho, mas precisava criar uma condição perceptiva da atmosfera que o trabalho propunha. O texto foi uma forma de desacelerar, propor um tempo outro para o trabalho.
Outra questão interessante é a forma relacional que ele abre ao dar ao público a possibilidade de participação no inventário. O público além de ler a lista e os verbetes, também pode descrever um objeto taxonomicamente nas fichas de classificação que são disponibilizadas. Aqui entra novamente a questão da impossibilidade de controle, passa a fazer parte do conteúdo das gavetas participações de toda ordem. Questão que ainda não sei de que forma seguirá ocorrendo: A impossibilidade de controle e o crescimento das dobras, e classificações fizeram com que eu já salientasse no cartaz a possibilidade do número inventariado: As Classes se alteram, esse número varia, na mesma medida em que crescem para dentro.
OBJETOTECA: Gabinete de Inventário de objetos
1.Objetos de cozinha
2.Objetos de banquete
3.Objetos de toalete
4.Objetos de segurança
5.Objetos sonoros
6.Objetos musicais
7.Objetos que guardam
8.Objetos de acolher
9.Objetos que repelem
10.Objetos de vestir
11.Objetos elétricos
12.Objetos de gabinete
13.Objetos de viagem
14.Objetos étnicos
15.Objetos de controle do tempo
16.Objetos de proteção
17.Objetos náuticos
18.Objetos aéreos
19.Objetos endoscópicos
20.Objetos não identificados
21.Objetos que estragam
22.Objetos que assustam
23.Objetos que me lembro
24.Objetos que não encontro
25.Objetos de pompa
26.Objetos que faltam
27.Objetos de tortura
28.Objetos que eu inventaria
29.Objetos raros
30.Objetos que acompanham
31.Objetos moventes
32.Objetos que entristecem
33.Objetos que deformam
34.Objetos que não deram certo
35.Objetos que se transformam
36.Objetos de ilusão
37.Objetos óticos
38.Objetos transacionais
39.Objetos falsos
40.Objetos que cheiram bem
41.Objetos de sinalização
42.Objetos eróticos
43.Objetos de representação
44.Objetos de suvenir
45.Objetos científicos
46.Objetos de especialidades
47.Objetos lúdicos
48.Objetos para piquenique
49.Objetos desaparecidos
50.Objetos que ferem
51.Objetos que não existem
52.Objetos da literatura
53.Objetos perdidos
54.Objetos que assombram
55.Objetos que projetam imagens
56.Objetos que acabam
57.Objetos tecnológicos
58.Objetos que apóiam
59.Objetos que armazenam
60.Objetos de arte
61.Objetos de demarcação de território
62.Objetos de culto
63.Objetos de acampamento
64.Objetos urbanos
65.Objetos que capturam
66.Objetos de desmanche
67.Objetos fúnebres
68.Objetos pré-fabricados
69.Objetos de acordar
70.Objetos sazonais
71.Objetos de costura
72.Objetos de colagem
73.Objetos de construção
74.Objetos de escrever
75.Objetos portáteis
76.Objetos da filosofia
77.Objetos de previsão
78.Objetos cartográficos
79.Objetos de coleção
80.Objetos classificatórios
81.Objetos de desejo
82.Objetos bélicos
83.Objetos de afeto
84.Objetos de festa
85.Objetos de sonho
86.Objetos melancólicos
87.Objetos lugares
88.Objetos de deriva
89.Objetos de inserção
90.Objetos inventariados por artistas
91.Objetos para experiências
92.Objetos secretos
93.Objetos inúteis
94.Objetos luminosos
95.Objetos de época
96.Objetos inclassificáveis
…
Obs. As Classes se alteram, esse número varia,
na mesma medida em que crescem para dentro.
Helene Sacco
Ao ler a lista é possível ver a tentativa de estabelecer uma relação de um item com outro, por diferença, proximidade, vizinhança ou total distância. A diferença, por exemplo, entre os objetos sonoros e os objetos musicais. A que existe entre os objetos que acabam e os que estragam. Muitos deles poderiam trocar de gavetas, ou estar em várias delas ao mesmo tempo. É esse impossível de classificar, mas que mesmo assim o tenta que me interessa, pois se trata do mesmo gesto realizado dia a dia na tentativa de dar ordem às coisas da vida. O número de 96 classes de objetos foi dado pelo objeto baú que acolhe e organiza o trabalho. Foi o que coube no baú ao dividir em parte iguais para a construção das gavetinhas.
VERBETES
12. Objetos de gabinete – Possuem o dom da espera alegrando-se quando o rito de trabalho inicia, acelera, se arrasta e finaliza. Organizam-se com certa cumplicidade, e parcimônia, facilitando os acessos, as sequências, os vagares,… Em dias de muito trabalho regozijam-se pela eficiência e contribuição doada em cada trabalho finalizado. Adoram dias de chuva, e tem um respeito quase matriarcal pela escrivaninha. Não gostam de pó, ele manifesta o “ar de abandono”, que é ofensa no mundo dos objetos, um estigma que todos procuram escapar.
15. Objetos de controle do tempo – Inutilmente nos ajudam a medir, contar, quantificar, apresentar claramente as horas numéricas até as noções mais abstratas como grãos de areia ou quase imateriais como a luz. Confirmam a nossa mais secreta mentira: a de que o ano possui 365 dias, e que estes mesmo dias possuem 24horas. Tiram proveito da rotação da terra, das disfunções eletromagnéticas, de nossas rotinas sempre carregadas e apressadas a ponto de não sermos mais capazes de distinguir o tempo da vida do tempo dos mecanismos artificiais.
30. Objetos que acompanham – São aqueles que dizemos não saber ficar sem, quando na verdade a recíproca também é verdadeira. Trata-se de objetos humano-dependentes, que precisam estar junto, muitos até sofrem de síndrome do pânico sugestionando o dono quando ocorre por ventura algum esquecimento. São as bolsas, maletas, óculos, medalhinhas, notebooks , celulares, agendas, livros, casacos, canetas da sorte, …
32. Objetos que entristecem – Esses são de dar pena e ocorre por muitos motivos: uns pelo tempo, quando desbotam ou perdem a cor; outros que por tanto uso alteram até sua estrutura, deformando o que já foi sinônimo de beleza, como no caso de sofás desgastados, poltronas de braços puídos; outros ainda por abandono, como é o caso dos brinquedos. Certa vez vi em Buenos Aires uma banca de brinquedos velhos, após o êxtase de ver os inventos antigos, percebi a atmosfera de tristeza composta por bonecas chorosas, e ursos de olhos opacos sem brilho.
96. Objetos inclassificáveis – São mágicos, nos roubam as palavras, nos tomam o pensamento por minutos, somos deles naquele momento. São raros, não se enquadram em Classe alguma, indo parar nas listas dos objetos de arte e por vezes são de lá mesmo, mas transitam entre o impronunciável, inclassificável e uma leitura provisória, nunca totalizante.
…